terça-feira, 20 de novembro de 2007

AconCHEGO


Procuro o aconchego quente, não preciso fértil, que seja oco e seco, sem grandes anseios e suspenses, simples, que me acalente a alma desejosa senão empalidecida - talvez amarelada pela espera de não-sei-o-que - quero o aconhego de um chá quente e sem gosto, um rosa chá ou talvez um azul-bebê, mas que me seja acompanhado de um colo.
¨¨¨ {Pâ}

domingo, 18 de novembro de 2007

Das coisas que ficam


Com você eu aprendi sobre a Dança do Universo e de como alguns outonos são plenos de manhãs indóceis.Aprendi a desatar o choro amolecido na garganta e a enfeitar a casa com flores simples, do campo.
Ingressei em noites sem estrelas iluminadas apenas pela ponta de um cigarro aceso. E amanheci entre borboletas azuis e flores roxas sem nenhum odor, mas com o cheiro de chá de erva cidreira inundando toda a casa.E você vibrava em verde curando as mesmas páginas que feria.
Compartilhei o meu suor íntimo e fértil e tudo nos parecia tão sagrado que eu desviava o meu olhar da dor.E fui me desapegando do desamparo cuidando do manjericão que plantamos juntos: pela primeira vez na vida eu via uma coisa bonita e palpável nascer.
Você me dissertou sobre bichos, plantas e marés.E adormeceu minhas angústias cantarolando aquela música tão desbotada.
Aprendi sobre como a escuridão pode ser suave aos olhos. E de como certas chuvas podem ressecar por dentro.Aprendi a cuidar deste solo seco e a relatar sonhos enquanto abria as janelas da casa. Aprendi a dar outros nomes pro abandono.
Com você eu aprendi que uma bicicleta amarela podia trazer com ela tudo aquilo que mantinha espesso o meu desejo...

[Marla de Queiroz]
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(Hoje sou flor que ignora os espinhos do coração e pede o afago doce e seguro do amor, que há muito está adormecido...)

terça-feira, 13 de novembro de 2007


Aguardo ANSIOSA-MENTE dias

de SOL para ficar

á toa estendida no varal

do meu quintal.

*

[Eu]

Quereres


Não vou me lapidar feito diamante, para aparar minhas arestas.
Não vou me encolher feito feto no espaço apertado e quente do útero, eu quero é me espreguiçar.
Não vou deixar meu vinho sangue para engolir, seco , incolor, aquele vinho branco, quente e sonso.
Não vou ouvir jazz e cantarolar bolero, eu quero o tango carmim, quente e penetrante, entrando nas minhas entranhas.
Abandono a princesa delicada que espera seu príncipe, eu quero a índia, nua, crua, dona de si, eu quero a mulher profana e meretriz, que se lança na cama da noite, e dança feito naja no colo do amante (sedento de seu veneno).
Não quero a máscara estúpida e oca da civilização, quero as caretas e loucuras de meus instintos, sem disfarces, mesmo que o preço seja alto. Eu pago.
Não quero a garoa fraca e mórbida de dias nublados, eu quero a tempestade, aquela que molha as vidraças, que lava a alma e fecunda a terra, água fértil, e desenfreada, que não acha limites, absoluta.

Eu quero a essência contida no frasco da liberdade, quero me embriagar de vida e me vestir de alma, eu quero a lua.
***
[Pâmela S. Melo]

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Espinho

(Foto Ugly)


"Não sou sempre flor. Às vezes espinho me define tão melhor. Mas eu só espeto o dedo de quem acha que me tem nas mãos..."
(Marla Queiroz)

Mulher


Não te chamo Eva,
não te dou nome nenhum de mulher nascida,
nem de fada, nem de deusa, nem de musa, nem de sílaba, nem de terras,
nem de astros, nem de flores.
Mas te chamo a que desceu do luar para causar as marés e influir nas coisas oscilantes.
Quando vejo os enormes campos de verbena agitando as corolas,
sei que não é o vento que bole, mas tu que passas com os cabelos soltos.
Amo contemplar-te nos cardumes das medusas que vão para os mares boreais,
ou no bando das gaivotas e dos pássaros dos pólos revoando
sobre as terras geladas.
Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida.
O teu nome deve estar nos lábios dos meninos que nasceram mudos,
nos areais movediços e silenciosos que já foram o fundo do mar,
no ar lavado que sucede as grandes borrascas,
na palavra dos anacoretas que te viram sonhando
e morreram quando despertaram,
no traço que os raios descrevem e que ninguém jamais leu.
Em todos esses movimentos há apenas sílabas do teu nome secular
que coisas primitivas escutaram e não transmitiram às gerações.
Esperemos, amigo, que searas gratuitas nasçam de novo,
e os animais da criação se reconciliem sob o mesmo arco-íris;
então ouvireis o nome da que não chamo Eva
Nem lhe dou nenhum nome de mulher nascida.
[Jorge de Lima]

Sou de mim

(Foto Sig Pereira)
Tenho em mim uma maturidade que não me cabe, uma sabedoria estúpida e convencida, que tudo sabe, tudo entende, tudo explica Tenho um cheiro de jasmim que exala do meu corpo sem fim, sem trégua, sem cessar, saem de meus poros, me sufocam as narinas e me fazem renascer num mundo velho, numa tradição antiga, numa terra fecunda e sadia
Tenho em mim um gosto de hortelã de horta, daqueles bem frescos, colhidas em manhãs de chuva, gosto verde, gelado, de terra molhada
Tenho em meus cabelos a dança das ciganas, que sacodem suas saias num movimento hipnótico e sedutor, dança louca, livre, engenhosa de seus mistérios e segredos, vai saber o que elas escondem por debaixo dessas saias....
Tenho em meus olhos a fome das fogueiras, que se devora, tem pressa, transforma tudo em cinzas, ilumina a noite, tem seu preço, impagável, impalpável
Tenho nos seios o alimento da vida, o gozo dos sexos descabidos
Sou urgente e calmaria, sou irremediável, me consumo de mim mesma, sou mulher nua e fugidia, sou amante menina, sem dono, sem regras, sem trono...
[Pâmela S. Melo]

Notas passadas