domingo, 29 de junho de 2008

Anoitecer

Desconheço autor da foto

Eu escrevo agora. Escrevo porque tenho em mim pinturas abissais. São momentos, ou justamente a ausência deles. Talvez seja a lucidez embriagando-se da poesia intrigante do meu mundo de dentro. É uma necessidade de abluir toda nuvem cinzenta que percorre cada detalhe do meu traço, tão disforme. Traço que não sabe qual destino deseja: talvez seja rabiscos, talvez o fino traço de um dia de sol com chuva de pólen (de flor-de-laranjeira).

Pois há tanta ternura dilatando meus poros, tanta. E ela tece um bordado cor-de-rosa nos meus seios, nos meus cílios. Rendas de estrela e mel que enfeitam minhas meninices. Aprendi então, que diante de tamanha docilidade, eu não devo aceitar nenhuma sensação de abreviatura. Não quero sintetizar toda delicadeza presente nas linhas do meu pensamento. Eu lamento quem me faça pisar em solo tão abúlico. A fertilidade é o sonho da terra. É a esperança da flor. O êxtase doce do fruto. Não permito que impeçam a minha primavera.

Preciso de acalento sincero. Estou farta das luxúrias inúteis, que não me acrescentam fios de ouro. Já não anseio a acalmia das minhas emoções. É necessário adoçar a voz e adornar os sentidos de uma maneira certeira e constante. Uma segurança acerejada em cada manhã, nos lilases soltos em cada pôr-do-sol. Sempre. Até o fim dos contos de fada: “E foram felizes para sempre”.

(Se ao menos existisse um contra-regra para o espetáculo da minha vida! Assim, eu sempre saberia a hora certa de entrar em cena. Eu juro que não perderia tempo. Eu entenderia o ritmo dos passos, o momento certo de cada toque entoado no vão tão incerto dos meus dedos).

Quanto silêncio contido nessas palavras!

Quantas emoções fragmentadas na última taça de vinho tinto!

E não existe contusão dos meus sentimentos. Inacreditável, não?!?
Há apenas uma arranhadura no meu mundo, apenas as garras do meu medo, sempre tão acetinado, sempre tão incerto e errante...

OM MANI PADME HUM
OM MANI PADME HUM
OM MANI PADME HUM

terça-feira, 17 de junho de 2008

Doçura


Há ventos do sul soprando as minhas folhas secas no quintal. Há sinos de açúcar cantarolando livres no meu pensamento. Eis que a trégua teve fim. Meus deuses já me enviam a semente, a terra, a chuva. Agora eu preciso plantar a flor. Preciso regá-la com desejo púrpura. Sei de lembranças na minha íris que denunciam o meu desejo. Eu estou nua. Não acho mais minha saia de tule...

Minhas asas estão prontas pra tocar teus sonhos de menino bobo, menino bandido, que rouba beijos de cetim das maricotas da vizinhança. Mas há tanta ternura dissolvida nos teus lábios, tanto papel de seda azul embrulhando teus anseios, há um tanto de tudo em você, que chega a bagunçar meus livros já tão dispostos na estante. Já não sei mais onde estão os romances, os contos, meus livros de receitas e de histórias infantis. Os versos se misturaram. As palavras estão disformes na minha poesia.

Ouça o meu sussurro de alfazema: deguste meus segredos, meus medos, minhas dúvidas. Me segure pelos braços. Me leve para o esconderijo quente da tua alma e me ofereça um gole do teu chá. Eu preciso tecer o meu sossego. Colorir a minha brisa e perfumar minhas rimas com o teu cheiro.

Hoje eu preciso ser tua princesa.
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Pâmela Melo

terça-feira, 3 de junho de 2008

Covardia

foto: Paulo Pereira

Hoje eu quero tocar na ferida nua, preciso tatear os vãos dos sentidos e fazer chorar a mansidão do teu signo. Se há fronteiras entre as tuas estrelas e meus pergaminhos eu já não sei, aliás, eu cansei de saber, não me importam as horas, as tabuadas, os acentos, as crises, as notícias. Eu só quero agora, crua e cigana, a rosa entre os dedos, quero vê-la sangrar em pétalas de sensações e labaredas.
Preciso com urgência que você roce em meu seio, que se prenda em minhas pernas. Eu necessito perder o fôlego para poder respirar, sentir teu peito ofegante, gemendo de explosões.
Eu quero ser deflorada ferozmente. Abundância de dedos alheios que me façam sentir cada nudez de meus poros, e que depois, naveguem nas águas quentes do meu riacho. Tenho que alimentar as línguas, banhá-las do mais puro mel que brota em mim.
Quanto apetite rasgado na minha saia rodada!
E eu me perco nessa fartura de desejos que assombram a minha racionalidade tão pueril. A falta de coragem do mundo de comungar no nu do meu umbigo soa como um estúpido eco que se repete a cada gota do meu suor quando se depara com o chão dessa realidade tão morna.
Há um desamparo das minhas emoções, e eu estou me fatigando dessa ciranda sem roda, já tateio meu cio na angústia da espera da coragem alheia (ou talvez a minha própria). Ousadia e saliva: eis a minha gula.

Eu só quero um bocado do teu doce!

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Pâmela Melo



Obs.: Eu sei que preciso ser mais corajosa para poder implicar com a covardia do mundo...




Notas passadas